segunda-feira, 24 de junho de 2013

Mantras, o encontro com o Absoluto

As duas formas de conhecimento (vidya) a serem conhecidas são o Absoluto Sonoro e aquilo que o transcende. Aquele que conhece o Absoluto Sonoro chega ao Absoluto Supremo” Amrita Bindu Upanishad – 17


 mantras

Para se falar sobre mantras da tradição hindu, é preciso antes de tudo entender um pouco sobre o Sânscrito. O Sânscrito é um dos idiomas da Índia, e tem sua origem por volta de alguns mil anos antes de Cristo. Conhecido como a linguagem dos Deuses, ele foi utilizado na escrita dos Vedas, o livro sagrado da Índia, e muitos historiadores o classificam como o livro mais antigo encontrado, datado aproximadamente de 1500 A.C. Os Vedas são constituídos por 4 volumes de texto em forma de versos, que contém toda a base da cultura hindu, e permeia as praticas religiosas e espirituais, apresentando todos os caminhos para o conhecimento.
Compara-se o Sânscrito com a matemática, pois nele os princípios de harmonia sonora operam precisa e constantemente. A Matemática que é uma linguagem precisa e utilizada pela ciência, excita o cérebro, mas não o coração. O Sânscrito, assim como a musica, tem o poder de tocar no coração. O que tem de extraordinário no Sânscrito é que ele oferece a todos o acesso direto a um plano superior, onde tanto a matemática como a musica, o cérebro como o coração, a razão como a intuição, a ciência e religião tornam-se unos.
O Sânscrito é a linguagem dos Mantras, palavras que tem o poder de remover os condicionamentos da mente, por estarem em sintonia com o sutil e com a harmonia invisível da criação.
Os Mantras Védicos são o início das Upanishads. As Upanishads são o resumo do Vedas, comentados entre mestre e discípulo em forma de debates espirituais. O grande estudioso dos Vedas foi Shankara Chaya, e em cima dos seus comentários de Upanishdas, é que é feito todo o estudo dos Vedas.

Com esta breve apresentação, podemos agora falar mais sobre os Mantras e sua relação com a prática de yoga.
A palavra Mantra pode ser dividia da seguinte maneira: “Man” equivale a mente e “Tra” significa instrumento. Ou seja, o Mantra é um instrumento que conduz a mente.
É uma palavra ou frase de poder que deve ser usado com propriedade e consciência. Sua força reside em sua entonação correta. Começamos pelo princípio, OM. O OM é a essência dos mantras, o mais importante do hinduísmo, representa os elementos água, terra, fogo, ar e éter e é considerado o som do Universo. Ele na verdade não é um mantra e sim um Pranava. O Pranava é a ponte para atingir os mantras.
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Há varias maneira de entoar o Om, cada mestre tem uma técnica especifica. A sua origem é A + U + M = AUM, podendo recitá-lo nesta forma. Mas como se trata de um ditongo A+U=O,  recitá-lo OM também é correto. O Importante é respeitar os três tempos de entonação, que correspondem aos nossos três estados de consciência: vigília, sono e sonho. Uma curiosidade, segundo várias escolas hinduístas, o Om quando entoado internamente é muito mais poderoso e eficaz.

Os principais chackras do nosso corpo tem seu próprio som que é composto de três sílabas como o AUM. Podemos, trabalhar a harmonia dos nossos chackras em prática de asanas, pranayamas e durante a meditação através da visualização e entonação de cada um dos mantras correspondentes. Em ordem crescente são eles LAM (Muladhara) , VAM (Svadhistana), RAM (Manipura), YAM (Anahata), HAM (Vishudha) e OM (Ajna).


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Podemos também mantrar aos Deuses específicos como Shiva, Ganesha, Krishna, entre outros, estabelecendo assim uma conexão com cada um deles. Os mantras relacionados às deidades são poderosos e podem nos ajudar na realização de mudanças, remoção de obstáculos, transformações  ou apenas como agradecimento e reverencia. Eles são muito utilizados nos kirtans, os cantos devocionais indianos, e podem ser entoados também através de Japa, repetições de mantras ou frases através da utilização de um cordão de 108 contas, o Japamala.


japa mala

Mantre a Shiva para obter força nos períodos de mudanças e transformações, pois Shiva é o Deus da destruição, extingue o velho para dar espaço ao renascimento.
OM NAMAH SHIVAYA /Saudação Oh Senhor Shiva, inclino-me perante a ti 

 Mantre a Ganesha para ter a coragem de remover obstáculos que bloqueiam o seu crescimento espiritual. Ganesha é o Deus que remove os obstáculos através do seu intelecto e sabedoria.
OM GAM GANAPATAYE NAMAHA / Saudação a Aquele que remove os obstáculos

Os mantras védicos são o inicio das Upanishads. Muitos deles são chamados de Invocação à Paz e Invocação à Felicidade. Alguns são mais populares e utilizados em aulas. Estes mantras no geral são muito longos, e para se aprofundar neles é preciso estudar o Sânscrito. Mas não se prenda muito a isso, assim como a seus significados. Não há duvidas que eles são muito ricos em ensinamentos e quanto entoado, sua vibração transcende o entendimento.
Segundo Mahatma Gandhi, se todas as Upanishads fossem extintas e restasse apenas o primeiro verso de Isva Upanishad, este valeria por todos. Eu concordo! E você? Se não conhece aperte o play e se entregue. Este é o mantra em forma de Kirtan. Para saber como entona-lo numa prática, acesse a pagina do Boa Yoga no SoundClouds.

Boa Yoga SoundClouds

Mantra da Plenitude 
OM PURNAMADAH PURNAMIDAM PURNAT PURNAMUDACHYATE
PURNASYA PURNAMADAYA PURNAVEVASHISHYATE
OM SHANTI, SHANTI, SHANTIH 
Om, Isto é plenitude. Aquilo é plenitude. Da plenitude, a plenitude surge.
Tirando-se a plenitude da plenitude, somente a plenitude resta.
Om, paz, paz, paz 


Todo o Universo manifestado está fundamentado em energia e vibração, e é por isso que é possível produzir todo tipo de mudanças na matéria e na consciência por intermédio do som. Desde tempos antigos, grupos de Shadus vagueiam pelas terras da Índia cantando bhajans e mantras, por horas e horas todos os dias do ano, com o duplo propósito de elevar a consciência e manter o equilíbrio da sociedade. A utilização dos mantras nas aulas de Yoga é de extrema importância, como forma de reverenciar e agradecer aos Deuses e aos Mestres todos os ensinamentos da tradição, assim como é uma ferramenta que nos conduz através da vibração sonora ao encontro com o  Absoluto Supremo. Aquele que conhece o Absoluto Sonoro, chega ao Absoluto Supremo.

Hari Om
Melissa Amita


 * FONTE
MALVEZZI, MARCOS - Mantras, palavras de poder –  Ed Madras 1998
KUPFER, PEDRO -Isha Upanishad, a Upanishad do Ser Infinito - Cadernos do Yoga 1Ed. 2004 LOKASAKI - A Origem do Sânscrito – Cadernos do Yoga 1Ed.  2004
LOMBARDI, INÊS - Mantras e musica clássica indiana – Cadernos do Yoga  10Ed. Ano 2006
Audio: Purnamada , Puntumayo Presents Yoga
Imagens: Atma Tattva, Musica Indiana Brasil, Plotinus One, Filosofias do Universo

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Mitologia, Sutras e uma pedra no caminho.

“ Na mitologia hindu, Kali é uma manifestação da Deusa Durga. Segundo a lenda, nos primórdios dos tempos, um demônio chamado Mahishasura ganhou a confiança de Shiva depois de uma longa meditação. Shiva ficou agradecido por sua devoção e então lhe concedeu a dádiva de que cada gota de seu sangue produziria milhares como ele, que não poderiam ser exterminados nem pelos homens, nem pelos deuses. De posse de tamanho poder, Mahishaseura iniciou um reinado de terror vandalizando pelo mundo.
As pessoas foram exterminadas cruelmente e até mesmo os deuses tiveram que fugir de seu reino sagrado. Os Deuses reuniram-se e foram se queixar para Shiva das atrocidades cometidas pelo tal demônio. Shiva ficou muito zangado ao ser informado de tais fatos.
Sua cólera, por sentir-se traído em sua confiança, saiu do terceiro olho na forma de energia e transformou-se em uma mulher terrível.


Shiva aconselhou que os outros Deuses também deveriam concentrar-se em suas shaktis e liberá-las. Todos os Deuses estavam presentes quando uma nova deusa nasceu e se chamou a princípio de Durga, a Mãe Eterna. Ela tinha oito mãos e os Deuses a investiram com suas próprias armas de poder: o tridente de Shiva, o disco de Vishnu, a flecha flamejante de Agni, o cetro de Kubera, o arco de Vayu, a flecha brilhante de Surya, a lança de ferro de Yama, o machado de Visvakarman, a espada de Brahma, a concha de Varua e o leão, que é o meio de locomoção de Himavat.
Montada no leão, transformou-se em Kali, e cega pelo desejo de destruição atacou Mahishasura e seu exército. A Deusa exterminou demônio após demônio, exército após exército e um rio de sangue corria pelos campos de batalha, até que finalmente, decapitou e bebeu o sangue de Mahishasura estabelecendo novamente a ordem no mundo ”

Mitologia Hinduista faz parte dos estudos sobre Yoga, assim como outras obras literárias, que nos ajudam a entender melhor uma filosofia e cultura tão diferente da que estamos acostumados.
A principal leitura do yoga são Os Yoga Sutras de Patanjali, e este não trata de mitologia.
Nela está copilado o Yoga e toda a explicação para alcançá-lo, através do conhecimento dos preceitos morais e princípios de auto-controle, identificação dos obstáculos, técnicas de concentração para se chegar no nível de meditação, a meditação e seus poderes.
A obra começa assim:

Atha yoganusasana - Agora o Yoga
Yoga citta vrtti nirodha  -O Yoga é o recolhimento dos meios de expressão da mente.

É preciso muito auto-estudo para se chegar a este objetivo. Muito. Mas muuuuuito.
E a cada livro, cada técnica, cada prática, você se encontra diante de um mundo novo, que você não sabe se fica, não sabe se volta. 
Doce ilusão essa de “voltar”, porque a partir do momento que você sai da Ignorância Real, aquela que é desprovida do conhecimento, você se revolta. Como dizemos, tira-se o véu de Maya (ilusão) e pluft!
Você descobre tanta escuridão, que a sua ação é se isolar.
E acaba se distanciando, criando novos laços de amizade que te suportam numa mesma sintonia. Desliga a TV, abre o livro, usa a tecnologia para questionar e ir atrás da informação verdadeira, torna-se no mínimo ovo-lacto-vegetariano, aprende a respirar, consegue sentar e silenciar. Enfrenta opiniões contrárias, escuta muita abobrinha, é bombardeado pelas ações de marketing que empurrão mercadorias a cada minuto de coisas que você entulha no seu armário, é taxado de alienado porque não assiste “TV”, começa a se enxergar nos defeitos dos outros (que são seus). Tudo de boa, na paz. 
Isso é o que está sendo proporcionado em seu Sadhana, que é o caminho para aqueles que buscam o Yoga. O inicio do auto-conhecimento. Aquele que tem que ser apresentado pra nós desde o jardim de infância, esbarra em você só agora, após 20 e tantos anos de vida, ou mais.
Vidas mudam. Perspectivas mudam. Olhares mudam. Rotina muda. Até alguns valores podem mudar.
Busca-se a quietude com alegria. Com paz, compaixão, respeito pelo argumento do próximo, aceitação abraços, ausência de julgamentos, maior contato com a Mãe Natureza, não há sofrimentos, se alimenta com consciência, atrai todas aquelas coisas leves e boas de sentir que você achou que carregaria para sempre junto de você até o fim da sua vida, sem as perturbações do externo que perturbam o seu interior, tornando-se assim um vórtice que transmuta as energias, ajudando assim a equilibrar o Planeta. Tudo de boa, na paz.
Mas aí, de repente, no meio do caminho tinha uma pedra. Ou melhor tem uma manifestção em São Paulo.
E alguns Yamas (preceitos morais aplicadas não só aos yoguis, mas a todos os seres vivo) que você aprendeu no primeiro capítulo dos Sutras de Patanjali como Ahimsa (não-violência) e Satya (verdade), estão ensanguentadas na região da Consolação. 
Gritos de Não-Violência são mantras para trazer a paz, e são interpretados como” por favor  balas de borrachas e gás lacrimogêneo”.
Seu auto-conhecimento se depara com sentimentos de revolta.
Como silenciar no meio desse turbilhão de energia condensada, misto de poder e direitos, repressão e revolta? Como aquietar os pensamentos se eles são frutos de falta de amor contra a população, seres humanos que lutam pelo mínimo? Vandalismo não se justifica. Mas quem são os vândalos? 
A hipocrisia que era vista por poucos (apenas aqueles que não vivem das ilusões vendidas por aí), nestes últimos dias alcançou uma maioria que estava adormecida na Ignorância Real.
E está maioria aos poucos está começando a acordar e se juntar a multidão. E ao invés de silenciar, a multidão quer falar. Ao invés de meditar, a multidão quer se manifestar. 


No épico Bhagavad Gita, Krishna não desencoraja Arjuna na batalha, pelo contrário, a batalha tem que acontecer.  Batalhas fazem parte do nosso dia a dia, para umas podemos nos calar, para outras não. Umas podem perder, outras podemos vencer.
Que a força de Kali proteja a todos nós.
Que a força de Kali estabeleça a ordem no mundo.

Shanti Shanti Shanti
Paz Paz Paz

Melissa Amita _/\_
Paulistana e Brasileira